sábado, 9 de maio de 2009

Pensando na morte da bezerra


Significado: Estar distante, pensativo, alheio a tudo.

Histórico: Esta é bíblica. Como se sabe, o bezerro era adorado pelos hebreus e sacrificados para Deus num altar. Quando Absalão, por não ter mais bezerros, resolveu sacrificar uma bezerra, seu filho menor, que tinha grande carinho pelo animal, se opôs. Em vão. A bezerra foi oferecida aos céus e o garoto passou o resto da vida sentado ao lado do altar "pensando na morte da bezerra". Consta que meses depois veio a falecer.

Nossas palavras: Essa expressão popular nos mostra o poder criador da linguagem, que instaura uma realidade imaginária, anima as coisas inertes, faz ver o que ainda não existe, traz ante nós o já desaparecido. A sociedade não é possível a não ser pela língua e, pela língua, também o indivíduo.

Quem não tem cão caça com gato

Significado: Se você não pode fazer algo de uma maneira, se vira e faz de outra.

Histórico: Na verdade, a expressão, com o passar dos anos, se adulterou. Inicialmente dizia-se "quem não tem cão caça como gato", ou seja, se esgueirando, astutamente, traiçoeiramente, como fazem os gatos.

Nossas palavras: No mundo em que vivemos, a linguagem perpassa cada uma de nossas atividades, individuais e coletivas. Verbais, não verbais ou transverbais, as linguagens se cruzam, se completam e se modificam incessantemente, acompanhando o movimento de transformação e suas formas de organização social.

Onde Judas perdeu as botas


Significado:
Lugar longe, distante, inacessível.

Histórico: Como todos sabem, depois de trair Jesus e receber certa quantia em dinheiro, Judas caiu em depressão e culpa, vindo a se suicidar, enforcando-se numa árvore. Acontece que ele se matou sem as botas. E o dinheiro não foi encontrado com ele. Logo, os soldados partiram em busca das botas de Judas, onde, provavelmente, estaria o dinheiro. A história é omissa daí para frente. Nunca saberemos se acharam ou não as botas e o dinheiro. Mas a expressão atravessou vinte séculos.

Nossas palavras: Atualmente, existem variações dessa expressão. Quando se deseja dizer que um local é ainda mais distante, costuma-se trocar "botas" por "meias" ou até mesmo por "cueca". Essa expressão popular é antiga e, apesar de suas variações, continua sendo muito utilizada atualmente, tanto por pessoas mais velhas quanto por jovens. É a prova de que os ditados populares resistem ao tempo, sendo passados de geração a geração. Da mesma forma, a linguagem oral prevalesce em todas as culturas, embora esteja em constante mudança e variação. No entanto, não é a língua que muda com o tempo, são os falantes que, em sociedade, mudam a língua.

Casa da mãe Joana



Significado: Onde vale tudo, todo mundo pode entrar, mandar etc.

Histórico:
Esta vem da Itália. Joana, rainha de Nápoles e condessa de Provença (1326-1382), liberou os bordéis em Avignon, onde estava refugiada, e mandou escrever nos estatutos: "que tenha uma porta por onde todos entrarão". O lugar ficou conhecido como Paço de Mãe Joana, em Portugal. Ao vir para o Brasil a expressão virou "Casa da Mãe Joana". A outra expressão envolvendo Mãe Joana, um tanto chula, tem a mesma origem, naturalmente.

Nossas palavras: Com essa expressão notamos que a consituição de uma língua não é um fenômeno exclusivamente linguístico. Ela é um produto sociocultura, vinculado à esfera política, transformado em instrumento de poder, um fenômeno marcado historicamente.

Andar à toa



Significado: Andar sem destino, despreocupado, passando o tempo.

Histórico: Toa é a corda com que uma embarcação reboca a outra. Um navio que está "à toa" é o que não tem leme nem rumo, indo para onde o navio que o reboca determinar. Uma mulher à toa, por exemplo, é aquela que é comandada pelos outros. Jorge Ferreira de Vasconcelos já escrevia, em 1619: Cuidou de levar à toa sua dama.

Nossas palavras: Tudo o que acontece numa língua viva, falada por seres humanos, tem uma razão de ser. E essa razão não é fortuita, casual e muito menos aleatória.. É fruto da ação dos próprios falantes sobre a língua. Com essa expressão popular, aprendemos o que Marcos Bagno, linguista brasileiro, tenta nos ensinar: nada na língua é por acaso.

O pior cego é o que não quer ver



Significado: Diz-se da pessoa que se nega a ver o que está bem à sua frente.

Histórico: Em 1647, em Nimes, na França, na universidade local, o doutor Vicent de Paul D'Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel. Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que passou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele imagina era muito melhor. Pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos. O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para a história como o cego que não quis ver. Em inglês, o correspondente para esse provérbio é: "better to be blind than to see ill".

Nossas palavras: Quando uma pessoa sabe o que se passa mas finge que não vê, nega-se a ver a verdade. É interessante observar que a língua é uma atividade social, parte integrante da vida em sociedade. Os provérbios e ditados populares são criados pela necessidade que os falantes têm de se comunicar melhor, de dar mais precisão ao que querem dizer, de enriquecer as palavras já existentes com novos sentidos, principalmente os sentidos figurados, metafóricos.

Sem eira e nem beira


Significado: Pessoas sem bens, sem posses.

Histórico: Eira é um terreno de terra batida ou cimento onde grãos ficam ao ar livre para secar. Beira é a beirada da eira. Quando uma eira não tem beira, o vento leva os grãos e o proprietário fica sem nada. Na região nordeste este ditado tem o mesmo significado, mas uma outra explicação. Dizem que antigamente as casas das pessoas ricas tinham um telhado triplo: a eira, a beira e a tribeira, como era chamada a parte mais alta do telhado. As pessoas mais pobres não tinham condições de fazer este telhado; então, construíam somente a tribeira, ficando, assim, "sem eira nem beira".

Nossas palavras: Ditado empregado para designar pessoas sem recursos financeiros e sua utilização vai mais além, pode significar também pessoa sem norte, sem rumo, sem definição na vida. Ex: Ele leva a vida sem eira nem beira. Assim como cada posição social tinha um tipo de telhado diferente, cada posição social tem sua linguagem, como afirmam os sociolinguistas. É o fenômeno da variação linguística, no qual a língua varia de acordo com a cultura, a posição social e a instrução de um determinado grupo.